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Eu e Fatima e minha Mãe, Salete. Em Matupá — Foto de Joel, meu pai.

Mais um dia menos dia. No momento em casa, sozinho. Amanhã tenho de trabalhar e tenho que sair ainda hoje para ver minha mãe, que está a caminho de Campo grande ou Iguatemi. Uma emergência aconteceu. Eu estive na casa de meus pais faz pouco tempo. Lá eu bebi cervejas e vinho. Tirei fotos e conversei pouco. Minha mãe lá, em seu auge, pouco antes de eu assumir meu trabalho novo e que vai alivia-la de muitos gastos. Quando saí de lá trouxe No Sufoco comigo e li em menos de uma semana. Não visitei o túmulo do Ayrton, mas li este livro por causa dele, que lera o Clube da Luta muitíssimo antes de mim. Que Deus o tenha.

Visitei o Rozivaldo por tabela — meus pais queriam passear em Matupá com a Fatima, e eu fui ver o Rozivaldo. Juntos, fomos até o posto e voltamos. Meu pai continua me decepcionando quando se trata de lidar com os outros — deixou o Rozivaldo antes de começarmos a conversar para valer e nem trouxe a pequena Hayanne. Ele teve lá seus motivos mais isso traz à tona a questão: Eu seria um pai melhor? Nunca vou saber com certeza, mas certamente me esforçaria pra ser diferente. Eu não questiono a lealdade e a amizade de certas pessoas. Mas a vida é muito comprida e eu não sei o que esperar dela; eu não questiono a lealdade da Fatima. Ainda assim, estamos brigando desde que voltamos.

Estas brigas são motivadas por nada. Muitas vezes uma coisa fora do lugar ou uma palavra fora do tom. Brigas estúpidas com potenciais bombásticos. Olhando pela perspectiva negativa — por aquilo que eu não digo — eu nunca a chamo de puta. Pelo que ela diz, ela nunca chama minha mãe de preguiçosa. As outras ofensas, elas são ditas todas, pelos dois. É assim tão difícil amar a esposa e a mãe ao mesmo tempo? É assim tão ofensivo para a esposa não ser amada como amamos a própria mãe? Enfim, não sou Freud e talvez eu nem queira saber a resposta. Escrever ajuda, no entanto.

Eu pensei em começar a fazer exercícios, com meu tempo livre. Também queria fazer psicoterapia, qualquer coisa para me ajudar a aliviar a carga de trinta e cinco anos de ser eu. As cachaças que eu tomo — e neste fim de semana foram duas garrafas de vinho sozinho — as cachaças ajudam, mas já estão começando a se tornar perigosamente habituais. O café diário eu já tomo a pelo menos dez anos; desde que morei naquele muquifo no cruzamento da Fernando Correa com Miguel sutil. Tempos difíceis com raríssimos momentos de felicidade brilhante e fulgurosa. Tempos de solteiro, enfim.

Dinheiro não traz felicidade. Também não traz liberdade. Mas alivia problemas que antes pesavam demais na consciência para nos deixar desfrutar a felicidade e liberdade que Deus já nos dá… Dinheiro é um meio e não um fim. Ainda assim é um recurso que precisa ser bem cuidado, pois é valioso na mesma medida em que vivemos em uma civilização que usa este recurso em tudo. Se vivêssemos em uma comunidade alternativa, ou em um sítio autossuficiente — e ambos são exemplos utópicos, idealistas que não funcionam na realidade — neste caso o dinheiro deixaria de existir e importar. Em alguns lugares ele pode não ter sido eliminado, mas com certeza foi deixado no plano secundário — igrejas e centros de meditação e espiritualidade; lamento que não tenha sido assim em todo lugar. Ou se adora Deus ou se adora o dinheiro.

Isso não quer dizer que não devamos abrir mão do sonho pós-capitalista. Mas é preciso ser bem realista sobre quais as nossas chances. É mais uma questão de perspectiva do que sobre qualquer coisa. Rico é quem tem muito dinheiro, mas mais rico ainda é quem tem amigos; e contra o clichê eu te digo que uma pessoa pode ter os dois, mas não da maneira como a pessoa comum tem — se trata apenas de uma idiossincrasia: alguns valorizam mais os amigos, outros valorizam mais as coisas. Materialista de verdade, no entanto é coisa bem mais difícil, justamente porque tudo no universo não passa disto; você já falou com o Universo hoje?

Eu estou aprendendo ainda. Uma posição humilde mas que me cai muito bem; sabia que a palavra coitado vem da palavra coito? Coitado é quem está no coito, uma coisa que todo mundo gosta. Discutir assuntos muito sublimes é bom quando se sabe de onde vem. Não importa a altura do seu trono, você ainda se senta sobre seu próprio traseiro. E no fim do jogo, tanto rei quanto peão vão parar na caixinha de peças. Paz de espírito é diferente de paz real. A primeira pode ser alcançada a qualquer momento, mas a segunda depende do acordo das partes. Mas se você pensa que o contrário de paz é conflito é porque nunca soube como em meio às escaramuças acontecem momentos de sublime tranquilidade.

Eu, meu Pai e minha Mãe

Meu pai sabe arrumar carros e caminhões. Montar e desmontar motos. Fazer uma casa da base às telhas. Instalar um chuveiro. Plantar árvores. Dirigir por horas sem parar. Mas não consegue parar de falar palavrão. Ou conviver com quem ama ele. Eu cresci com a crença absoluta que ele era meu pai de sangue para além de meu pai de abraçar e de beijar. Descobri tarde demais que ele não era esse tipo de pai e já havia feito imagem e semelhança dele em mim; ser grosseiro é um terrível defeito que eu herdei dele. Já dirigir, montar e desmontar carros e todas as outras coisas mencionadas… nada.

Isso que é contingência, a incerteza da vida que se infiltra em todos os níveis da existência. Eu poderia ter crescido apenas com minha mãe. Minha mãe poderia ter ficado com a mãe dela lá no sul. Eu poderia ter fugido de casa e não ter voltado. Eu poderia ter sido pai aos 16, aos 18, aos 25 … mas nada disso aconteceu e nada disso importa. Contingência. Uma palavra bonita para se referir às incertezas. Ao que não se pode mudar. Não à toa tanta gente se desfaz da filosofia — enchimento de linguiça, eles dizem. No entanto não existe loucura da qual seu autor não tenha sido filósofo. Estou aprendendo, e todo aprendiz precisa ser humilde.

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