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Photo by Alice Dietrich on Unsplash

Por Luciana Pinheiro Viegas e Walker de Barros Dantas e Paniagua

“Cometa erros fantásticos”, e “Faça boa arte” são os leitmotiven do discurso de Neil Gaiman aos formandos The University of the Arts em 17 de maio de 2012. Nele, Gaiman irá falar um pouco de carreira, sucesso e fracasso, mercado de trabalho e criatividade. Em um discurso relativamente curto ele conseguirá encapsular e dimensionar as principais preocupações de um artista recém-graduado, algumas vezes bastante originalmente.

Neste mesmo discurso, Gaiman vai afirmar a incerteza inerente do métier artístico, seja ele artes plásticas, escrita ou qualquer coisa. E isso é ótimo porque não sabendo o que se está fazendo também não se sabe o que não pode ser feito: “As regras sobre o que é possível e impossível nas artes foram feitas por pessoas que não tinham testado os limites do possível indo além deles.”. Também é importante denotar, segundo Gaiman, que o artista tem um papel a cumprir no mundo — torna-lo mais interessante só pelo fato de estarem nele — e isso implicará necessariamente em tentativa e erro, e, mais importante de tudo, em determinação porque fazer arte é desafiar a si mesmo constantemente.

Entre as suas diversas afirmações, uma essencial para aqueles que enfrentam o bloqueio criativo é aquela que discorre sobre a síndrome do impostor — também referida como polícia da fraude. Ele a descreve como a sensação frequente…:

(…) de que haveria uma batida na porta, e um homem com uma prancheta (não sei por que ele carregava uma prancheta, em minha cabeça, mas ele carregava) estaria lá, para me dizer que estava tudo acabado, e eles me pegariam e agora eu teria de ir e conseguir um trabalho de verdade, algum que não consistisse de inventar coisas e escrevê-las, e ler livros que eu quisesse ler.

A tensão entre o eu e o outro, o complexo de inferioridade assim como o desvio narcisístico do sujeito descrito por Freud, todos estes são modos de encarar esse sintoma que acompanha tantas pessoas, sejam famosas ou não.

Provavelmente originada ainda na infância, essa suposta disparidade entre o eu e o outro, a quem só conheço por recortes discursivos enquanto a mim mesmo conheceria os pensamentos e as volições de um ponto de vista único e privilegiado — a assim chamada síndrome do impostor é real e, se pode ser tratada e mitigada, dificilmente poderá ser extinta. E talvez isso não seja de todo ruim.

Escrever, em especial é uma atividade que se mantém contra todas as outras formas de arte aí existentes competindo pelo tempo e atenção dos outros, e as prateleiras estão cheias de golpes baixos nesse embate mas que não convém comentar — exceto que por outro lado, cada vez mais fica claro que as artes, sejam plásticas ou audiovisuais, não se separa da palavra escrita — e já é parte do currículo de todo artista escrever sobre sua arte. A razão disso é o simples fato de que ao fim e ao cabo tudo se trata de comunicação e que a leitura é o conduíte ideal de todo reconhecimento. Na academia não poderia ser diferente.

Como sair, no entanto, deste lugar comum de manifestação e entregar resultados satisfatórios academicamente? É possível conciliar forma e estética de escrita com conteúdo científico e revisado com validade acadêmica? As respostas não são simples neste caso e para além de uma análise do estado atual da produção científica é preciso avaliar também a si mesmo frequentemente: estou pronto para sacrificar o que é preciso sacrificar para obter esse texto?

A escrita nos afeta de várias maneiras, nos traz temores e carrega amores. Escrever sobre escrever já é um temor. Na vida acadêmica a escrita é um processo de aproximação ou distanciamento de um objeto no qual se pretende analisar.

Quando falamos na dificuldade da escrita, na “quase” paralisação ou paralisação total da mesma, Becker (2015, p. 171) fala de estudantes de pós-graduação que paralisaram suas teses e aqueles que tem dificuldades de colocar seus artigos em formas publicáveis, porém, ao se julgar moralista e ansioso, diz não contribuir para essa superação, até porque seria interessante uma fala sobre organização social para entender o papel da escrita no mundo acadêmico.

Becker (2015, p. 178) aponta outro olhar para a pesquisa, um olhar calvinista, que pode derivar da formação escolar em que o professor acha que devemos nos esforçar para escrever, dedicando muitas horas de trabalho, sentados à mesa, sofrendo sem conseguir escrever, isso não funciona.

O mesmo autor fala sobre as “descrições clássicas dos problemas de redação [que] costumam incluir uma comovente descrição da folha em branco suplicando tinta, enquanto o autor diante dela fica paralisado de ansiedade. Todas as palavras parecem erradas. E não só erradas, mas também perigosas.” (BECKER, 2015, p. 179).

As dificuldades com a escrita existem de fato e uma grande questão se levanta: e se não conseguirmos escrever? Becker desabafa seus sintomas, clássicos de uma ansiedade, ao iniciar a escrita de um artigo: “tonturas, peso na boca do estômago, calafrios, às vezes até suores frios.” (BECKER, 2015, p. 181).

Contudo, Becker levanta uma reflexão sobre como resolver esse problema e recorre a especialistas que aconselham: “relaxe e faça”. Becker diz que não conseguiremos vencer o medo se não fizermos a coisa que nos atemoriza e só então descobriremos que não era tão perigosa quanto imaginávamos, assim venceremos nossos medos paralisantes.

BECKER, Howard S. Truques da escrita: para começar e terminar teses, livros e artigos. Trad. Denise Bottmann; revisão técnica Karina Kuschnir. Rio de Janeiro: Zahar, 2015.

GAIMAN, Neil. Faça Boa Arte: O discurso “Faça Boa Arte” Intrínseca; 1ª edição, 2014

Link para discurso na íntegra em inglês: https://www.uarts.edu/neil-gaiman-keynote-address-2012 acessado em 11/11/2020

Tradução em português disponível em http://trabalhosujo.com.br/neil-gaiman-make-good-art/ acessado em 11/112020

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