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Photo by Saketh Garuda on Unsplash

Em março começou meu trabalho no IBGE. Para quem não conhece, o IBGE é nada mais, nada menos, do que o o órgão governamental máximo no que concerne o estudo geográfico e estatístico no território brasileiro. Com mais de 82 anos e com nenhuma mancha em seu currículo, é difícil pensar em estudo de geografia, análises e estatísticas competentes e relevantes para o povo brasileiro e que não tenha sido feita pelo instituto.

Eu estou vinculado à instituição através de um contrato temporário — mas que pode se estender por três anos e que inclui um salário decente e todas as seguranças da lei, sendo para todos os efeitos como um efetivo. Fui chamado em fevereiro, e quase achei que era trote. Fizera uma prova para a vaga antes de entrar na faculdade e não passara e esqueci. Anos depois, na hora que mais precisava, me ligaram.

E não é tão bom assim só porquê eu estava desempregado e esse trabalho é decente; ou porquê eu terei agora o status de empregado (para poder postar #sextou e comemorar o fim de semana como se isso não fosse um problema que nós mesmo criamos? melhor não), e ainda mais, empregado do governo federal — ou porquê, eu mentiria se fosse o caso — eu fiz um concurso sofrido e lutei para entrar — eu estava na posição cento e cinquenta e tantas e fui chamado apenas dois anos depois da prova; não. É especial porque se trata da área que eu estudo há três anos na faculdade, faculdade que eu queria fazer antes mesmo de terminar a que já cursava. É especial porquê se trata de Geografia.

A disciplina de potencial mais revolucionário

A primeira vez que eu ouvi falar de Geografia foi em um encontro de hippies modernos no Fórum Mundial Social, há dez anos atrás. Em Belém. Sim, com muitas drogas. Muito protesto, também. Alguém falava de geografia como o “curso mais revolucionário existente nas universidades”; eu nunca questionei; após sete anos entrei em geografia na UFMT, em 2016.

E de fato: depois que você entende de geografia todo o mundo ganha uma nova camada de interpretação; geografia é um curso que nasceu em um contexto de exploração — era dos impérios, exploradores europeus depenando a europa; mas que se purgou desta culpa e hoje é a melhor forma de ver o mundo e conhecer suas mazelas; não se trata só de nome de capitais ou de viver a viajar, mas antes de conhecer intimamente a responsabilidade que o homem tem pelo mundo que habita — e ainda assim, nossos estudos críticos e análises de impactos são ignorados cotidianamente. Talvez isso se deva à abrangência da disciplina e seu lugar privilegiado na intersecção das ciências mais de exatas, como pedologia, estatística e geologia, com as ciências humanas (pendendo, às vezes mais para esse lado, como é meu caso), como sociologia, serviços sociais, história e antropologia.

E trabalhar com coisas tão interessantes é algo muito importante para mim. Eu passei por longos hiatos de nenhum emprego ao longo da minha vida, e a última vez que participei assim intensamente do mundo do trabalho foi em 2014, e não era na minha área. É a primeira vez, portanto, que me sinto verdadeiramente alguma coisa, dentro do quadro geral, por assim dizer. Que essa coisa seja chamada “trabalhador brasileiro” me leva a muitas outras coisas: a primeira delas é em tentar entender o que eu tenho de trabalhador e de brasileiro.

Quando ocorreu o movimento de 2013, as assim chamadas jornadas de junho, eu estava onde? Sim, eu estava em um retiro de meditação, longe do mundo e próximo do mestre, por assim dizer. Em 2016, na votação do impeachment? em um autoretiro na casa de minha tia, em Várzea Grande. E em 2017, pouco antes de elegermos Bolsonaro? Na Argentina, em outro Retiro. O que houve com a Argentina neste meio termo? A crise se aprofundou, gerando recessão, a palavra assustadora dos jornais. E no entanto aqui estou. Surpreende-me estar vivo e surpreende-me não ter saído do Brasil ainda. Eles, os argentinos, ao menos ainda não elegeram um apoiador descarado da ditadura; o que é melhor, afinal, a autoconsciência ou o dinheiro?

Capitalismo ou o “menos pior” dos males

Estive assistindo Deuses Americanos. Segunda temporada. É a história da luta dos deuses entre si pela hegemonia da fé do povo; recomendo pelas atuações e pelos efeitos especiais. Adoro esta premissa da história — como se a fé fosse uma coisa mensurável e pudesse determinar quais deuses serão os dominantes; isso é pouco realista, mas acho que sabemos pouco sobre a capacidade e o poder da crença e da fé; eu sei que eu sim, ainda tenho muito o que aprender em termos de espiritualidade, mas já deu para perceber que não é uma coisa que se possa medir com uma régua (lamento materialistas).

Dois corvos cinzentos, fantasmagóricos como peles transparentes de pássaros, pousaram nos ombros de Wednesday, enfiaram o bico dentro de sua cabeça, como se degustando a mente dele, e depois voaram para o mundo.

Em que devo acreditar?, pensou Shadow, e a voz que o respondeu veio de algum lugar nas profundezas do mundo, um ribombo grave.

Acredite em tudo.

Estou lendo também o livro que deu origem à série do Neil Gaiman — estou no primeiro quarto do livro, e já deu para ver que assistir a série da amazon prime e ler o livro são coisas bem diferentes. To me divertindo bastante e ainda tenho bastante para ler.

O livro foi escrito nos anos 90 e muitas das novidades que embalam a criação de novos Deuses hoje parecem ultrapassadas. Achei que nunca o leria, mas admito, a série me entusiasmou — isso e outras leituras do Gaiman (já li todo o Sandman, e mais recentemente, Mitologia Nórdica).

Curioso é que demorei para ler porque estava reticente dados os comentários do críticos na internet: “ideia brilhante mas mal executada”. Sim, mas ninguém fala que o “mal executada” é um mal executado pelo Gaiman, ou seja, ainda assim muito bem executado. A lição que fica para mim e para quem mais quiser é de que se você tem interesse genuíno em uma obra, vá atrás e veja por si mesmo e dê pouca atenção ao que os críticos dizem.

E se fosse para apontar mesmo um pecado da premissa desta história é que eles esqueceram e não colocaram um deus mais poderoso que todos os outros na atual conjuntura mundial — um deus que gera e destrói nações inteiras e que é tão caprichoso quanto pode ser um ser invisível onipotente e autoregulador: o Crescimento Econômico. Como diz Yuval Harari, um historiador liberal de Israel, em Sapiens, quando explica porquê não podemos viver sem o capitalismo:

(…) Primeiro, o capitalismo criou um mundo que ninguém além de um capitalista é capaz de governar. A única tentativa séria de governar o mundo de uma forma diferente — o comunismo — foi tão pior em praticamente todos os aspectos concebíveis que ninguém tem estômago para tentar de novo. Em 8500 a.C., alguém podia derramar lágrimas amargas por causa da Revolução Agrícola, mas era tarde demais para desistir da agricultura. Da mesma forma, podemos não gostar do capitalismo, mas não podemos viver sem ele.

É isso. Recentemente a Nexo Jornal fez uma matéria sobre a comparação de salários dentro da dura vida dos brasileiros (link). Nele você pode colocar o valor do seu salário que ele vai comparar os valores com a média de cada estado. Eu fiz o meu e apontou a famosa proporção de paretto: estou entre os 20% que ganham mais do que os 80% dos brasileiros; ainda assim meu salario corresponde a meros 7,1% do salário de um deputado federal e 7,6% do que ganha um juiz. E 120% a mais do que ganha um professor da educação básica no Mato Grosso.

Jesus disse que sempre haveriam pobres entre nós. Também disse que o dinheiro e ter dinheiro não vale nada no céu; seu reino mesmo nem era nesta dimensão. Mas os economistas tem outra opinião bem diferente. Se o “bolo” (uma metáfora para a economia) crescer todo mundo come mais e sai mais satisfeito. Riqueza, eles dizem, não é mais um jogo de soma-zero — a riqueza que você possui em excesso não é necessariamente a falta para outro. Isso porque a economia se reinventou, seja através da ciência seja através de novas metodologias. Ouça este podcast dos dragões de garagem para mais informações (link).

Acho que nenhuma das duas posições está errada — mas sou da opinião fatalista de que a economia e a riqueza das nações não é mais certa do que o dia de amanhã, e que entre as várias questões que podemos investigar, é das menos importantes, justamente pela sua incerteza.

Mas em relação a ser mais brasileiro do que era ontem: ser Brasileiro para mim, hoje, é nunca perder a fé, o brio e a expressividade. No entanto não somos melhores nem piores do que os outros, seja americanos, europeu, argentino ou sueco; somos únicos. Mesmo em nossos defeitos, inigualáveis. Se o mundo acabasse amanhã os brasileiros iam ser os primeiros com ideias de como reconstruir. E acredite, nós seríamos perfeitamente capazes de conseguir.

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