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Canto do Cisne

Chegando na reta final do mestrado, um anúncio se faz necessário

Tomei a decisão de que até o dia da defesa da minha tese, devo escrever somente sobre o assunto que orbita esta mesma tese. A ideia é me forçar a falar mais e pensar mais naquilo que escolhi como área de estudo.

Para começo de conversa, é preciso delinear o território, saber onde se caminha e ter em vista que em termos de construção de conhecimento, nunca se sai do nada, e raramente se avança muito longe. Aos poucos, ao longe de muito tempo, é que se constroem os cânones e o mapeamento que já estamos tão habituados.

Embora seja uma analogia simples, essa imagem dá uma ideia: diagrama

In this article, I focus my research on Brazilian indigenous writing practices, more specifically on those of the Kashinawá indigenous community, which inhabits the western Amazon region of Brazil and Peru, numbering little more than 4,000, of which 1,200 occupy the Brazilian side of the border in the state of Acre (Aquino & Iglesias, 1994; Monte, n.d., 1996) A case among cases, a world among worlds

Na minha pesquisa eu tenho subido e descido por várias paisagens, e todas parecem dignas de interesse. Como anunciado em um primeiro esboço, eu procuro pelo fio do emaranhado que desata o imenso equívoco desencadeado pela globalização; um nome me salta aos olhos, Milton Santos, e de fato ele foi crucial na minha primeira tese, mas não acho que as coisas permaneçam neste pé, uma vez que aconteceu uma coisa inacreditavelmente importante no meio do processo de pesquisa: a pandemia.

portrait Arshad Khan, a tea vendor from Pakistan Rddit. by u/ratatootin

Voltando ao suposto equívoco, é possível imaginar que o aperfeiçoamento dos meios de comunicação iria aproximas as pessoas, e, inegavelmente, eles estão desenvolvidos para além daquilo que jamais imaginamos. Apesar disso, vemos manipulação midiática cotidianamente, a ascensão do fenômeno das fake news e do cancelamento de personas na internet; a destruição sistemática de reputações promovidas por escritórios do governo e a obtenção de informações privadas valiosas por corporações. Ao mesmo tempo vemos que há um deslocamento do interesse das pessoas em acessar notícias e se comunicar com os outros somente pela internet; a pandemia efetivamente forçou as pessoas a isso, e, aos poucos, um novo mundo começa a se definir, concedendo ao digital aquilo que jamais teria sido concedido em outras circunstâncias. Ainda assim, não tenho certeza de que é de comunicação que falo em minha tese.

Isso porque ao mesmo tempo que a globalização e o capitalismo se esforça para trazer a sensação de que estamos todos no mesmo barco, de que somos uma nação única e que vamos todos prosperar juntos (na crença do livre mercado), vemos que muita coisa tem sido ocultada. Populações e culturas inteiras têm sido deixadas para uma “outra ocasião”, para outra leva de globalização, afinal, esse mesmo capitalismo enfrenta problemas mais urgentes, as suas contradições que dificilmente se resolvem. A saber: emergência climática como carro chefe, e que nos avisa que talvez não haja outra onda de globalização porque talvez não haja outro planeta (ao menos tal como o conhecemos).

portrait1 Sophie and her mother Barbara by Snezhana von Büdingen, Germany, 2017 reddit: u/notbob1959

Enquanto isso a fortuna de pessoas bilionárias aumentou drasticamente, fruto de uma crise global de saúde — a inerente contradição capitalista de acúmulo de capital se fortalece quando a maioria das pessoas precisam se preocupar em sobreviver mais do que em acumular dinheiro. De fato, o capitalismo se mostrou mais poderoso do que nunca em meio à maior crise de saúde do século, simplesmente por que tudo pode ser capitalizado, se não as vacinas, então os caixões. Não houve um momento de paz para quem apenas se preocupou em se cuidar: as demandas mudaram de lugar mas o trabalho continuou. Tanto Elon Musk quanto o Presidente do Brasil foram a público se manifestar contra a política do “fique em casa”, a única política que salvava vidas efetivamente antes das vacinas. A suposta inovação do capitalismo não é tão real a ponto de inventar formas de impedir que as pessoas se infectem ou consigam produzir de casa.

De fato, sob o capitalismo tudo acaba se homogeneizando: séries feitas por algoritmos, em uma óbvia receita de sucesso criada por matemática; homens de terno a caminho do centro, todos idênticos, carros, prateados, brancos ou pretos, todos semelhantes, em cor ou design. Mesmo o homem que supostamente trafega entre todas estas culturas também se parece com alguma coisa, ainda sem nome, e encontrada em todo lugar. O homem sem qualia, o homem que está em todo lugar e que por isso mesmo não está em lugar nenhum. A humanidade do homem já não é definida mais por ele mesmo, mas por algoritmos, por máquinas, programadas para decidirem por ele porque, ao fim e ao cabo, somos muitos e precisamos seguir essa norma — a oferta e a demanda são definidas pelos donos dos meios de produção, e não pelos que consomem e pagam pelo produto. O capitalismo nunca foi um baluarte, um monumento invencível. Pelo contrário, uma praga em plantações de seringueiras na Ásia poderia ruir tudo.

portrait3 Scars, West Africa circa 1943. Reddit u/Paul-Belgium

Mas as máquinas não são assim tão poderosas. Como poderiam, sendo feitas por mãos humanas? O código que as criou vem eles mesmos com vieses cognitivos: seja o master/slave, seja o White/black, quando linhas de código são preconceituosas, ao contrário do não uso da língua de gênero neutro, há potencial de dano verdadeiro e em escala gigantesca. Evidentemente essas falhas vem da própria estrutura sob a qual foi montada a civilização, e é neste sentido que a decolonização se faz mais urgente e necessária do que nunca.

Não se trata, no entanto, de voltar aos anos de 1500 DC; mas sim de encontrar uma ajustamento harmonioso entre aquela forma de ver o mundo e a que atualmente temos; de fato, aquela forma de ver ainda está presente entre nós, e está presente não apenas em costumes aceitos universalmente, mas mesmo em nosso arcabouço genético. Somos porque eles foram. Seremos se eles serem. Entende-se decolonização aqui como um movimento interioriorizante que reverbera em estruturas exteriores. A decolonização da própria alma só pode levar à decolonização do mundo. A compreensão de sua própria origem só pode levar à conclusão natural daquilo que está para ser.

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