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Como Eu Parei de Beber, Deixei o Cabelo Secar e Comecei a Escrever

NÃÃÃ, só mais uma confissão inocente mesmo

Acontece se você estiver vivo. Uma economia que se quebra, um novo messias que surge, novos planetas que são descobertos. Um amigo que parte, um outro que surge, pessoas que antes te odiavam passam a te ajudar. Planos de fuga do mundo que antes eram atraentes, começam a se tornar ameaçadoramente reais. Novos arrependimentos e novas experiências. Parece retrospectiva de fim de ano, só falta o Bonner e o som enervante. Mas sou só eu pensando na vida.

“As pessoas que mais admiramos são aquelas que menos conhecemos”. Ainda assim, insistimos em tornar celebridades os mais estúpidos dentre nós (hashtag_stop_making_stupid_people_famous.jpeg). E mesmo sem oferecer uma alternativa para aquilo que convencionou-se chamar de “sociedade” humana, tenho minhas dúvidas sobre quão humanos são realmente aqueles habitam esta sociedade.

Começo por mim. Sei que o irmão que eu vejo além da murada não passou pelas mesmas experiências que eu. Ainda assim tenho que ama-lo. (Um intermezzo, caso você não saiba: você tem que amar o coleguinha). Mas como fazê-lo se não o vejo como um igual? Eu, que vivo em uma em bolha existencial — minhas vivências, meus inputs, minhas conexões, todas elas são frágeis como o silêncio. E eu escapo da divisão do meu meio apenas para ver o quanto os outros precisam me suportar. Eu queria muito atravessar estas barreiras e dizer: “irmão eu sei, e agradeço, por você suportar esta barra para mim”. Mas a vaidade, sempre ela, me impede de sequer tentar.

Não muito tempo atrás eu tive um emprego. Não grande coisa, mas trabalhar, ter um dinheiro me deu um senso de apoderamento que eu não conhecia. Eu trocava as horas do meu dia por dinheiro e no fim pensava: “Sou livre e tenho dinheiro. Este dinheiro é meu e posso fazer o que eu quiser”. Era uma sensação real e eu sentia enquanto pedalava para casa após cada dia de trabalho. Foram cerca de oito meses de labuta e com o dinheiro passamos um mês nas serras do Rio.

Mas desde que eu voltei, as coisas mudaram e o reverso da medalha apareceu. As coisas ficaram inalcançáveis em parte e eu teria de aceitar isso pelos próximos anos que se seguiram. Desempregado, sem rotinas, prazos ou horários. Eu me separei da dela, saí da cidade por outros oito meses e voltei, tanto à cidade quanto a ela após finalmente me formar em filosofia e entrar outra vez na faculdade, agora como estudante de geografia; neste ínterim eu deixei de pensar em dinheiro e na sensação de apoderamento após um dia de trabalho, foquei nos estudos e no meu futuro ao invés.

Escrevo este texto, para mim mesmo primeiramente, e torço para que alguém se identifique (escrever é sempre uma garrafa jogada no mar). Estou narrando nada além daquelas épocas da minha vida onde, sozinho em todos os sentidos, nu e olhando um espelho que fora levantado à minha frente, eu tive de escolher: aceitar a realidade, ser humilde. Nunca foi fácil, mas foi o que me trouxe até aqui e é a única coisa que posso compartilhar que seja verdade.

Não falo de experiências, mas de lições. Não falo de virtudes, mas de escolhas. Eu adoraria me esconder atrás das conquistas passadas se eu realmente estivesse participando em qualquer uma delas. Muito me alegra apenas estar vivo, obrigado. “Nunca dês um nome a um rio, é sempre outro rio a passar”. Elenque todas as grandes verdades da sua vida: nenhuma delas será mais profunda que a dor do dedão no sapato apertado.

Não é o caso de sair o por aí apagando todas as memórias falsamente implantadas por força das circunstâncias; muitas delas são úteis para algumas realizações. Se soubéssemos quantas coisas incríveis foram feitas somente sob o feitiço da mera crença provavelmente iríamos valorizar mais o poder da sugestão. Não. Eu apenas estou alegando que urgência é uma parte essencial de tudo que fazemos. Estou dizendo apenas que não é mera impressão ou viés de confirmação: o mundo está mesmo andando cada dia mais rápido.

Você deve estar pensando que estou falando de uma posição de privilégio. Pode ser, mas quem julga os julgadores, certo? Tens de confiar em mim. Se serve de consolo, é a primeira vez que tento persuadir alguém. Não sou vendedor, não sou connaisseur, sequer sou diletante. Só tenho (muita) pressa e não gosto de platôs. Estudo pelo prazer de aprender, não para passar em concurso ou dar aulas para postes. E por isso mesmo leio um bocado, de tudo. Como uma sombra a dúvida nunca me abandona.

Me casei em maio último. As coisas adquiriram perspectiva (em oposição à perspectiva absoluta da juventude), e é por isso que eu escrevo. Não planejamos sermos pais, no entanto. É estranho dizer isso porque não é algo que possamos realmente escolher, mas o rumo natural das coisas indicam apenas isso, que seremos casal (e amigos) apenas, até o fim. Os desafios ainda são os mesmos que todo casal enfrenta, e a responsabilidade pelo outro transparece com toda a força que realmente tem. A cada um cabe o peso de sua própria existência.

Uma vez eu li que as frestas de um coração quebrado são tão essenciais quanto o coração em si, pois é por lá que a luz entra. Da mesma maneira, entendo que em um mundo de constante descarte e consumo, reaproveitar e reciclar se torna essencial. Os japoneses tinham um nome para isso, se chamava Kintsugi. Basta se lembrar, como quando você era criança, e adorava certos brinquedos, e como às vezes mesmo quando você ganhava um novo, você ainda preferia aquele outro. Este é o mesmo sentimento que te guia a cuidar e reparar as suas relações.

Tenho escrito todos os dias, como oração, mas também como terapia. Infelizmente isso ainda não dá dinheiro, e talvez, se desse, eu não o faria. Não por idealismo, mas por que eu tenho outros interesses. Não estou ainda onde eu queria estar, mas movimentar-se já é bastante agradável. Escrever me lembra que gosto de ler e ler é para mim mais útil que respirar. Encontro nas leituras diárias, no pensar e repensar as coisas lidas, a essência dos meus dias.

Escrevo, portanto, para abrir espaço para a próxima leitura. Se tivesse talento, provável, desenharia. E quando lembro dos rumos que nossa democracia está tomando, sinto uma vontade urgente de guiar meus pensamentos para qualquer outra coisa e essa é outra vantagem de escrever, e que, por isso, por enquanto, basta. E talvez essa seja a última lição que eu gostaria de dar: você, em sua completa essência, com todas as possíveis incongruências, erros e áreas cinzas, basta. Você basta.

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