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Da humana condição

“Estávamos tomando café da manhã na casa da Paper street e Tyler disse para eu me imaginar plantando rabanetes e semeando batatas no décimo quinto buraco de um campo de golfe esquecido. Você caçará um alce nas florestas úmidas do cânion formado pelas ruínas do Rockfeller Center e colherá mariscos ao lado do esqueleto do Obelisco Espacial inclinado em um ângulo de quarenta e cinco graus. Pintaremos os arranha-céus com grandes rostos de totem e todas as noites o que restou da humanidade se refugiará nos zoológicos vazios e se trancará nas jaulas para se proteger de ursos, grandes felinos e lobos que andarão por lá à noite e que ficarão olhando do lado de fora das barras.” Clube da luta — Chuck Palahniuk.

Este é o Fim da História imaginado por Tyler — um mundo finalmente livre da civilização e do homem com sua tecnologia e ciência perniciosa. Para mim o fim da história é passa pela transformação da cultura e da própria capacidade de conhecer. Para explicar melhor, preciso me situar em toda a minha história até o presente. E olhando para o futuro eu entendo o presente, sempre tão fugidio.

Imagino que eu tenho um futuro por esperar. Estou falando de aprender, desejar e possuir, mas também abandonar e aceitar. Aceitando também que preciso de dinheiro da mesma maneira que preciso deste momento: o dinheiro nos ajuda em toda as coisas que somos incapazes, e mesmo nas que somos capazes. Entender a natureza do dinheiro e se precaver contra sua malignidade é a melhor política. É fácil dar uma de Tyler Durden e homem do paleolítico quando se tem vinte anos e está no ápice de suas forças. Quero ver você almejar pelo fim do conforto com 40 anos e miopia e princípio de reumatismo. Quero ver você caçar e coletar quando toda tua criação foi baseada em abstrações e simulacros.

Mas não quero polarizar aqui: acredito que se encontrem meios mesmo para esta visão. Eu mesmo, não muito atrás, me sentia indo nessa direção, uma vida sem posses e sem rumo — sem casa, sem mulher, sem aposentadoria e médicos, talvez até mesmo sem civilização, vivendo de retiros de meditação, mendicância se chegasse a extremos. Não tenho aversão a isso. Mas, sim, viver na rua ou afastado da civilização não é uma perspectiva. Ninguém sobe o morro se não for para voltar, ninguém abandona a civilização se não quiser de fato começar uma nova; é um movimento cíclico muito comum, e sempre caímos nessa armadilha, basta observar os mendigos que viram palestrantes do TED ou de Harvard, basta observar os mendigos santos do Zen budismo, que não aceitavam esmolas e viviam entre os mendigos embora não o fossem.


Então qual é o problema? o problema é exatamente esta armadilha que armamos para nós mesmos — esse apego disfarçado de niilismo, essa vontade disfarçada de despojamento. É preciso viver ao máximo o ensinamento de Jesus de que nosso sim deveria ser sim, e nosso não, não, e qualquer coisa para além disso era obra do mal, pois quê, a vida está aí para ser vivida. É preciso dar valor a algo tão exuberante e completo e que nos pede tão pouco em troca. Hoje fazem três anos que vi o Vitor pela última vez, mas agora sei que esses três anos são eternos: nunca o verei novamente. É preciso se renovar para entender a beleza dos dias, a beleza da vida e a beleza do ser. É preciso se distanciar dos gatilhos mentais de recompensa e encontrar meios mais verdadeiros de viver: eles não estão longe e não são impossíveis. Vejo algumas maneiras de fazer isso: admitindo minhas fraquezas. Sou incapaz de aceitar que não estou mais no controle de minha vida, se é que alguma vez estive. Preciso, apesar disso tudo, almejar algo, sempre.

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