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vitor
Vitor é aquele de laranja, segundo da esquerda para a direita.

Das Despedidas

Queria muito me despedir apropriadamente de você. Mas você se foi como um raio. Minha surpresa é equivalente aos planos para o futuro que havia para nós. Um grande, imenso e disparatado vazio. Você não deixou inimigos, deixou apenas amigos e mulheres sofrendo de saudade. Não sei como se vive, inexperiente que sou, mas como se morre acho que começo a entender. Um pai querido, mas que não ficou para ver seu filho amado, Leonardo, entrar na faculdade. Cedo demais você se foi. A vida, eu sei, é um presente maravilhoso, mas seu valor muito excede nossa compreensão; quem somos nós para dizer que alguém se foi cedo realmente? Você esteve aqui e não está mais. Amou, trabalhou e morreu.

Eu conto os dias. Eu conto os dias para entender o significado do tempo que restou. Não sou muito bem sucedido, e tenho nas contas muito mais experientes filósofos que eu; Thomas Mann escreveu um livro inteiro sobre o tempo, e Platão, da antiga Grécia, já dizia que tempo nada mais era do que um tênue véu que cobria a eternidade. Jesus disse que o seu reino não era daqui, mas dos céus, e o mataram por que não podiam aceitar essa verdade. Eu, que tenho a mesma idade com que o sacrificaram, só corro para lá e para cá, solicitando ajuda e cedendo onde devo ceder. Nunca encontramos descanso, não é mesmo? Mas agora, agora você descansa.

Eu sei pouco sobre sua trajetória, mas o que sei soube de sua boca. Você foi jovem para Vilhena, saindo da minha cidade natal apurado e começando a vida lá na distante Rondônia. Trabalhou duro, como jornalista entre outras coisas, e conseguiu juntar alguns bens; foram muitos anos até então, e me pergunto por que é tão difícil de acreditar que alguém possa crescer na vida honestamente? Será por que somos impulsionados na vida a crer que nada se consegue neste país senão ilicitamente? Será porque não aprendemos a avaliar nossas oportunidades e passamos a achar que todos são assim? O fato é que quando começamos a trocar cartas eu tinha meros 18 anos e você já era um jornalista conhecido na Vilhena. Quando te visitei pela primeira vez, um ano depois, você me levou para conhecer a cidade e seus amigos. E que amigos! Você fez uma faculdade de jornalismo e outra de pedagogia, só porque “queria ser professor”, eu soube, e muitos dos seus amigos eram pessoas de estudo (mas na última vez que te visitei, em 2015, soube dos seus amigos que cuidavam do seu sítio e que tomavam umas com você, os mesmos que estavam com você lá no fatídico fim de semana?).

Você se foi com 55. Um pai exemplar, um profissional dedicado, sempre rendendo elogios à Vilhena, cidade de sua vida e de sua morte, muito embora você estivesse se distanciando cada vez mais, sempre voltado ao cultivo de seu sítio, de seu “cantinho”… onde você se aposentaria um dia. Enquanto isso, trabalhava e trabalhava. Nunca fiquei mais que uma semana com você nas visitas à sua casa por que você sempre tinha um trabalho para fazer em outra cidade, quase sempre assessoria a políticos, cumprindo agendas de outros. Mas ainda assim você escrevia coisas suas. E como escrevia. Li sua última coluna no RDNEWS, como estava bem escrita! E tratava da renovação, da volta por cima, de um novo ano. Eu devo admitir que era isso o que eu queria quando tinha 18 anos e soube de sua existência, naquela modorrenta cidade do interior em que eu vivia. Ser um jornalista, assinar um artigo, viver de escrever. Mas o buraco, nós sabemos, é bem mais embaixo, e escolhi outra carreira.

O que torna um homem, um homem? Não fazer tais perguntas, decerto. Mas, além disso, o que mais? Passamos tanto tempo tentando nos provar que o somos que sequer perguntamos por que, e em que sentido… bem, eu tenho teorias. Ser um homem é aceitar as circunstâncias. É aceitar que estamos nessa vida para o que dela vier, e nunca, jamais, por sequer um instante, reclamar, ou desistir. Assim é, na maioria do tempo, mas sempre temos nossos lapsos, e eles podem aumentar.

A vida. A vida para você era preciosa demais. Você não suportava insanidade, não suportava as coisas serem diferentes do que deveriam ser. Você trabalhava demais. Talvez, só talvez, você não queria mexer em time que estivesse ganhando, e foi descuidado com sua saúde. Talvez a sorte, sempre ela, tenha acabado. Ainda assim, você era um homem, e morreu em um hospital cercado de pessoas que o amavam, deixando todos nós com saudades irrecuperáveis. Não há mais nada a declarar.

Já eu, eu ganhei um irmão, ganhei mais um, além da Kerllin, e como isso é legal. Conheci-o com 4 ou 6, e hoje ele está a entrar na faculdade. Meu nome pode mudar até, mas eu não esqueço que eu tive 18 anos também, e o mundo inteiro então se descortinava para mim, como o faz agora, graças a você. A gente perde, a gente ganha.

Gratidão Vitor.

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