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The Nativity with the Prophets Isaiah and Ezekiel — Duccio di Buoninsegna 1308–1311

Foi em um evento da UNEMAT, em Cáceres, em uma palestra com um professor convidado que eu ouvi algo como: “na ciência a ideia de causa e efeito é uma convenção”. E que, “as coisas acontecem mais de uma maneira sincrônica do que desencadeadas”. Isso ressoou comigo no mesmo nível que meus insights mais profundos sobre a natureza e por isso eu me pus a refletir.

Os chineses antigos tinham esse pensamento já muito arraigado. Por volta de 2000 antes de Cristo eles diziam coisas como:

O Caminho é uma constante não-ação

Que nada deixa por realizar

Se reis e príncipes pudessem resguardá-lo

Os dez mil seres iriam se transformar por si

Porém, se na transformação despertassem desejos

Eu iria estabilizá-los através da simplicidade do sem-nome

A simplicidade do sem-nome também se inicia no não-desejo

O não-desejo traz quietude

O céu e a terra, por si, estarão em retidão

Lao Tse. Tao Te Ching. Capítulo 37 (Portuguese Edition). Edição do Kindle.

Esse poema, que na verdade é um versículo de uma obra tão sagrada quanto a bíblia ou o corão, é uma bela peça deste pensamento que abarca o inominável. Ali vemos termos como não-ação (wu wei) e não-desejo. A ação através do wu wei é mais do que um paradoxo, mas a única ação verdadeiramente autêntica. Para eles o vazio é tão pleno como o existente, assim, como a janela é algo mais do que um buraco na parede.

Para eles a lei do terceiro excluído da lógica — a que diz que uma coisa só é ou não é, sem uma terceira opção, não é lei alguma. Com isso todo o edifício da lógica cai por terra e uma nova forma de explicar a realidade surge. Alguns chamariam isso de elucubração ou de poesia. Outros diriam que é a única forma de compreender a realidade como observada pela física quântica. Segue vídeo do Robert A. Wilson legendado em português, falando, muito melhor do que eu poderia, ainda que brevemente, sobre isso:

Quando alguém tem alguma experiência com alucinógenos, como as que eu tive entre 2006 e 2012, com seu ápice por volta de 2009, sejam elas com cogumelos, ácido lisérgico, ayahuasca, ou apenas maconha, aprendemos que a primeira coisa que abandonamos, instintivamente por sinal, é a linguagem. Mas apenas a linguagem adquirida, aquela que nos prende e nos amarra a conceitos e estruturas identitárias; uma nova identidade surge então e nos apresenta uma realidade nova, brilhante e viva. Essa realidade não se transmite facilmente em palavras.

Destas experiências eu posso dizer que importam mais a motivação do que a expectativa que ela produz. Isso porque uma pessoa pode apenas querer ter uma viagem dentro da própria cabeça ou até atingir a felicidade verdadeira e entender os segredos de Deus — pois, sem entrar em julgamentos, é preciso saber que estes êxtases, em qualquer que seja o cenário, são passageiros e não substituem a lida diária.

Já fazem bons anos que não faço uso destes tipos de substâncias, para o bem ou para o mal. Quando leio as notícias da legalização pelo mundo, no entanto, fico esperançoso. Inclusive, todo zé-droguinha ou noiado, é antes de tudo um ser humano e como tal possuidor de desejos. Porém, no dependente, os desejos são a força principal e dominante.

Tínhamos por aqui um lugar chamado ilha da banana, em uma região central da cidade; lá, nos escombros de uma antigo prédio, ficavam moradores de rua, e quando passávamos de ônibus podíamos ver através das paredes que não existiam, em salas de apenas duas dimensões, a vida diária deles. Se nossas casas fossem de vidro, quantos de nós não seríamos vistos vivendo exatamente como eles? A ilha da banana foi destruída em um processo de higienização que houve na cidade toda há um ano ou dois e que, longe de resolver o que eles viam como problema, agravou.

A empatia poderia resolver tantos destes problemas, se ao menos nos dispuséssemos a exercitá-la; não precisamos nos livrar de todas as nossas posses, nem sair brigando com os outros, mas poderíamos dar atenção às obras que realmente ajudam, ao invés de idolatrarmos o inútil. Vide o CVV, por exemplo. Não tem nenhum objetivo além de dar assistência, à distância e pessoalmente, a quem precisa aliviar a dor ao ser ouvido sem julgamentos. Só isso. Mas ainda assim, mexe com um contingente de pessoas que se organizam para que isso aconteça, e às custas de doações. É apenas um exemplo, baseado em experiência própria, mas existem muitas outras opções para muito cenários.

Certa vez o mestre taoísta Chuang Tzu sonhou que era uma borboleta, voando alegremente aqui e ali. No sonho ele não tinha mais a mínima consciência de sua individualidade como pessoa. Ele era realmente uma borboleta. Repentinamente, ele acordou e descobriu-se deitado ali, um pessoa novamente. Mas então ele pensou para si mesmo: “Fui antes um homem que sonhava ser uma borboleta, ou sou agora uma borboleta que sonha em ser um homem?”

Não deveríamos esperar as coisas caindo do céu, no entanto. Ainda assim, é inegável que nossa vida é guiada pelo aleatório e o acaso. Longe de negar a força e o desígnio divino, apenas afirmo com isso que nossa capacidade intelectual de entender esse mesmo desígnio é infinitamente menor do que pensamos que seja. Entre as diversas maneiras que desenvolvemos para nos proteger desta completa falta de sentido do universo e do senso do absurdo esmagador da existência, está o consumismo, o cristianismo e o comunismo, isso só para ficar na letra C. Os ismos em si não importam, mas sim o espírito por trás destas ideias. É preciso saber pesar cada uma e decidir (lembrando que não decidir é em si um tipo de decisão) o que realmente queremos para nós.

A sorte segue a coragem, diz o adágio. A coragem é o reflexo de um coração decidido; não precisamos nos deixar levar quando sabemos nosso potencial. Ainda assim, nunca sabemos o que realmente somos capazes porque não sabemos quem somos. Uma pergunta de milhares de anos de idade e que nunca vamos ser capazes de responder, até porque a resposta não cabe em palavras, e porque a vida não espera. Ouvir os pássaros de manhã, no entanto, a natureza despertando em todo seu esplendor sempre me lembra que a resposta está em mim, em nós, individualmente e coletivamente.

Eu me batizei na igreja católica fará um ano em maio. Isso não me tornou cristão, no entanto. Isso porque ser cristão é saber amar. Amar sendo um verbo, precisa de ação para ser verdadeiro, pois amar se aprende amando. Os dogmas da igreja, no entanto, são meios de se atingir um fim, e é preciso aceita-los quando entramos em uma religião organizada.

Para alguns isso é mais fácil do que para outros e posso dizer que esse processo de aceitação caminha aos poucos, junto com o próprio processo de viver em matrimônio, ao lado da mulher que escolhi. E digo mais, não carrego comigo culpa alguma ao dizer que as causas podem ter sido invertidas — a mulher me trazendo à religião e não ao contrário. A água sempre procura o caminho mais fácil, passando por profundidades que muitas vezes ignoramos, já diriam os taoístas.

Claro, isso não significa que vai ser fácil, ainda mais com nossos corações duros e teimosos. Mas nunca houve herói sem aventura e descoberta; não precisamos ter nossas histórias contadas em poemas épicos de dezenas de versos, basta que ela seja nossa.

As citações taoístas contidas neste texto são parte de uma tradição budistas da escola zen (Rinzai). O objetivo destas histórias, chamadas Koans no plural, não são apenas entreter, mas, difícil para o ocidental comum, quebrar, esmigalhar os conceitos de eu e de identidade externa das coisas, através de meditação e de um retorno constante da mente investigativa à questão subjacente na história.

Para mim é uma oportunidade de se maravilhar e suspender o julgamento (epoché). Ainda que seja apenas um passo de cada vez na jornada incrível que é esta privilegiada vida humana.

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