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Não pode saber como me sinto. Achei que grandes artistas tinham compaixão pelas pessoas… que criavam através da compaixão e a necessidade de ajudar. Que bobagem.

Está em qualquer bom manual do psiconauta e outros aspirantes à viagens com alucinógenos: nunca faça tal viagem sozinho. Tenha sempre alguém lúcido e responsável ao seu lado. É um bom conselho, na mesma medida em que podemos saber quão lúcido ou confiável aquela pessoa pode ser. As pessoas que eu conheço costumam dizer que seu conhecimento da realidade é mesmo uma coisa confiável; mas você já questionou a autenticidade da sua própria existência em algum momento?

A Teoria dos jogos já deixa bem clara essa dinâmica entre dois polos: se os dois confirmam mutuamente suas versões ou se mutuamente as negam, sempre obterão o melhor resultado, do contrário alguém sempre sai perdendo. Nem precisa ser um matemático para saber disso, no entanto, e todo aquele que se inicia no mundo do crime sabe que é essencial nunca entregar o parceiro. Sob pena de pagar com a própria vida por ser x9.

Quando um jogo não é de soma-zero? (…) Um exemplo famoso é o “dilema do prisioneiro”, projetado por A.W. Tucker. Duas pessoas, Andrew e Bertie, são apanhadas pela polícia, suspeitos de um assalto em estrada, e postas em celas separadas para que não possam trocar ideias. As recompensas, nesse caso sentenças criminais, não apenas dependem de suas respostas individuais ao interrogatório da polícia, mas em como eles respondem no conjunto. Se A confessa e B não, então A pega uma sentença de apenas um ano (…), mas B é condenado a dez anos (…). Se A não confessar, mas B, sim, as sentenças são ao contrário. Se os dois confessarem, pegam quatro anos cada, mas se nenhum confessar e os dois insistirem em sua inocência, eles saem livres!

Crilly, Tony. 50 Ideias de Matemática Que Você Precisa Conhecer (Coleção 50 ideias). Planeta.

Não quero afirmar que com isso a verdade seja inalcançável, apenas que ela não se deixa trair por clichês e caminhos usuais — isso se houver caminho, se nossa condição não for somente a de caminhar eternamente, subindo e descendo a montanha à medida que a pedra nos escapa lá no topo (essa pedra nunca se desgasta não?). Não quero dizer também que não procuro mapeamentos e esquemas gerais de continuidade e melhorias — amar a humanidade é também desejar ser uma pessoa melhor.

Faltam de três a quatro semanas para meu aniversário — de presente comprei-me um malbec e um tempranillo; faltam também mais ou menos isso para começar a chover aqui no centro-oeste. Já não era sem tempo pois estamos cansados de ver, impotentes, o sofrimento dos animais no pantanal e na chapada — além das pessoas da cidade, muitas vezes de idade avançada, com dificuldades de respirar. Minha mãe sugeriu de vir me visitar mas tive que pedir que não o fizesse por hora: a pandemia não acabou, as coisas não voltaram ao normal e pouquíssimo foi feito para amenizar tudo isso. Nem ministro da saúde tínhamos até ontem.

Os Amantes — Pintura de René Magritte — 54 cm x 73 cm — 1928 — Tinta a óleo

O que é viver no Brasil, afinal? É necessário imaginar-se já em uma guerra em curso; o século XXI só começa depois de um grande acontecimento, nunca antes. Sei que quem me lê, aí do outro lado, com alguns cliques pode encontrar informações sobre mim, fotos e memes que eu repassei; mas a mim, em essência, ele encontra?

A cibernética têm trabalhado para criar novas fronteiras do pensamento no limiar da matéria (como o RealTouch, aquele objeto, com mais de dez anos atrás, desenhado para a indústria do entretenimento adulto, que simula contrações do órgão sexual feminino controladas remotamente), mas para mim, o texto, preto e branco, as letras do alfabeto vazadas e com alguns espaços vazios é a única maneira de transmitir, remotamente, as minhas contrações da alma.

Por isso tenho me dedicando tanto à leitura e à literatura — e sei que muitos seguem a mesma cartilha. Fazer novos amigos, para mim, tem passado por este crivo, entre outros; estudar, escrever, ler, compartilhar e se divertir no processo; e mesmo amigos antigos se renovam desta maneira. A literatura pode salvar vidas, me foi dito, e acreditei sem pestanejar no momento em que ouvi; eu porém nunca lutei pela minha alma — já é de bom tamanho poder ler um bom livro e saber que aquilo é tudo o que eu preciso.

Adir sodré — postado na pagina pessoal em 12/12/2018

Engatinhando ainda nesse mundo de transmissão da própria vida em tempo real, percebe-se que o mundo que já não era assim tão grande, se tornou menor. De fato, uma aldeia global, com seus ritos e rituais se delineia, além de sua própria sociologia. Ironicamente, só consigo escrever com a internet desligada e não me estresso por números e estatísticas altos — o sucesso nas redes sociais anda por caminhos misteriosos, além disso, de que me serviria o sucesso pelo sucesso? Mais uma vez me pergunto se conhecer alguém nas redes é conhecer alguém de fato.

Claro, todos precisamos seguir um caminho, ganhar a vida, possuir uma carreira. Mas a pressão que nos colocamos, quando não nos colocam os outros, é irrealista — a maioria das pessoas se vira bem contanto haja sorte e oportunidade. Os vieses cognitivos também contribuem para a confusão, e sei que é tudo uma questão de confiar no destino quando existem tantas coisas boas acontecendo por aí e que deixamos passar para nos ater àquilo que atiça nossos sistema límbico. Na internet todos exibem uma imagem melhor de si mesmos, isso é fato. Em algumas redes isso se reflete como o mais inteligente, em outras como o mais popular e em outras ainda como o mais rico ou o mais bonito — nada diferente de uma experiência de ensino médio — inclusive a ilusão de uma plateia imaginária acompanhando todos os nossos passos. Isso, que é ruim se levado a extremos, ajuda de certa forma a incentivar que se corrijam pequenos deslizes. Eu mesmo, quando lembro que citei um livro aqui e não o li inteiro ainda, me obrigo a acabar. Esse é o exemplo mais banal, e no budismo existe um termo para a “vergonha do que os sábios iriam pensar”, Ottappa em pali, Apatrapya em sânscrito, uma vergonha saudável, ou decoro, e que pode ser cultivada para purificação espiritual.

Cultiva-se muita coisa, aliás, e as simples são sempre as mais verdadeiras. Como já dizia Aristóteles, a excelência é questão de habito, e tudo se resume no tempo que dedicamos a estas mesmas coisas. O habito, por sua vez, é questão dedicação de tempo, energia e aplicação. Eu gosto de compartilhar minha vida com os outros na medida em que ela é compartilhável, mas sempre mantendo uma distância segura: de vinte por cento do que mando para o público oitenta por cento fica oculta para mim. A assim chamada “vida interior” têm sido na minha opinião o maior atrativo para ficar em casa e sentindo-se satisfeito com o status quo da internet e das redes sociais, donde vou seguindo, nutrindo amizades e aprendizagens; ainda que “vida interior” seja um termo enganoso pois não existe uma vida interior em oposição à qualquer outro tipo de vida: existe uma vida apenas — e tudo o que existe é criado por nossa mente. Senão em matéria então em percepção, e para aquilo que importa, que é viver com dignidade, a percepção consciente é essencial.

Adir sodré — FLORES . In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020.

Eu gostaria, claro, de ser cinco quilos mais magro ou vinte centímetros mais alto, e quando penso nestas coisas, que essencialmente são os mesmo desejo da adolescência, percebo que o desejo não tem fim, ele só muda de andar, de apartamento, mas segue no prédio, e com isso me acalmo porque é nas especificidades destes desejos que acabo encontrando a especificidade da minha vida, e isso não é mal — quantas coisas realmente legais começaram com um comichão, uma coceirinha aqui ou ali?

Por mais que eu me esforce para eliminar a bagunça, aceito e respeito até aquelas coisas que não tem conserto. Sem forçar a barra da filosofia existencialista aqui, mas “estou pensando em acabar com tudo”, isto é, estou pensando em parar de olhar a tela com o filme na minha frente e olhar para trás, donde se transmite a imagem através de um facho de luz; estou pensando em calar e sentir o silêncio ensurdecedor onde encontro as mais tenras lembranças da infância, e onde a pureza nunca foi perdida. De história em história enganamos o amanhã,e isso também é desistir de tudo, ainda que com um jeitinho, ou como diz o poeta: “Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.”

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