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Photo by Tyler Smith on Unsplash

Ainda que, a bem da verdade, não seja exatamente de nós. Outros dariam conta do recado, tão bem quanto, senão melhor. O apelo que ouvimos se dirige antes a toda a humanidade. Mas neste lugar, neste momento, a humanidade somos nós, queiramos ou não. Aproveitemos enquanto é tempo. Representar dignamente, uma única vez que seja, a espécie a que estamos desgraçadamente atados pelo destino cruel. Beckett, Samuel. Esperando Godot . Companhia das Letras. Edição do Kindle.

A filosofia já interpretou o mundo em demasia; é hora de modificá-lo. A premissa aqui é que se não fomos capazes de responder algumas das perguntas mais básicas da humanidade, a começar pela própria razão de aqui estarmos, então por que insistir? Há um mundo lá fora esperando para ser conhecido e explorado.

A ideia aqui é que o GPS, a bússola e o mapa ficam guardados na mochila. Mesmo o aplicativo de relacionamento pode ser desinstalado, é 2019 e não é possível mais viver sem vigilância, mas o lugar mais escuro é embaixo da luz — quantos de nós podemos afirmar com certeza absoluta de que nos conhecemos? E mesmo este conhecimento prévio, baseado em experiências passadas não pode mais ser validado: estamos mudando o tempo todo.

Viver é queimar pontes. É seguir e não olhar para trás; algumas coisas já estão longe demais de qualquer maneira. Conhecer suas limitações é a melhor maneira de contorná-las. Ou não. Algumas coisas são simplesmente sem solução mesmo e não valem a pena serem debatidas. Escolha sua batalha com cuidado e esteja preparado, existem grandes vitórias te esperando no limiar da esquina.

É simples, até: se você houver se preparado com antecedência será uma luta fácil; uma batalha na qual conhecemos o inimigo e a nós mesmos é certa de que será vencida — mas se lembre sempre que inimigo é apenas alguém cuja história não foi ouvida. Por isso que sempre arremedamos nossos desafetos quando recontamos a história para alguém, porque não fomos capazes de entender seu significado realmente. Arremedamos para desmerecer e o fazemos para desumanizar.

Desumanizar é matéria de escola da guerra: nenhum soldado luta contra outro soldado se achar que ele é um semelhante. Nenhum de nós faz inimizade se conhecer a história da outra pessoa. Infelizmente para algumas pessoas a guerra é combustível e nisso elas se engajam constantemente para sentir a vida fluindo; competição, como dizem, é só mais um arranjo — como a tendência que as pessoas têm de transformar tudo em jogo. Mas neste mesmo contexto, matar um inimigo possivelmente é apenas transformá-lo em aliado.

Assisti recentemente El Camino — um filme de breaking bad. Nele nós acompanhamos a jornada de libertação de Jesse após o fim da série. Dá para assistir sem ter visto a série, mas não recomendo. A série é um presente para os fãs, um fan service, e funciona como catarse desta mesma série. Mostra a vida de uma pessoa comum envolvida em eventos incomuns. Jesse é uma pessoa tipicamente normal mas com um elemento que se sobressai a todos os outros, empatia. E é essa a catarse que o filme oferece: a de que ser um ser humano, com todas as suas vantagens e desvantagens, basta.

E, afinal, qual a alternativa? Tornar-se um incel, um psicopata narcisista, um capitalista desalmado? Isso nem é tão extremo se pararmos para pensar bem, todos topamos com um alguma vez na vida, direta ou indiretamente. A internet está pululando deles. A síndrome de gameficação que falei agora é real para estas pessoas — eles simplesmente não podem aceitar que alguém não retribua na mesma moeda. Sem um senso mínimo de realidade, vencer um debate, provar um ponto ou simplesmente humilhar o outro é tudo o que eles buscam fazer — e fora das redes eles são incapazes de se impor para qualquer coisa que seja. Eu já me livrei desta e de outras redes. É preciso saber se conservar, afinal, saúde mental não é moeda de troca.

Há uma velha história sobre um trabalhador suspeito de roubar no trabalho: todas as tardes, quando sai da fábrica, os guardas inspecionam cuidadosamente o carrinho de mão que ele empurra, mas nunca encontram nada. Está sempre vazio. Até que um dia cai a ficha: o que o trabalhador rouba são os carrinhos de mão… Slavoj Žižek. Violência. Boitempo Editorial, 2014

E no final das contas, que pode haver de real na internet? Internet é outra face da Utopia de More (1516), é o sonho da informação livre e do livre acesso à informação, mas que se tornou, aos poucos, a tirania do julgamento alheio e do fim da privacidade. Na tentativa de se transformar e se adaptar, abrimos mão completamente de nossa privacidade, e abraçamos a alegre promiscuidade dos dados — só para descobrirmos que somos alimento para máquinas de big data.

A internet, tal como se desenvolveu até agora, não serve para nada além de criar uma ilusão de proximidade e uma solidão infinitamente mais palpável do que antes. Se antes estivéssemos nos sentindo sozinhos íamos ao vizinho, ao jardim e para uma caminhada. Hoje postamos selfies e xingamos uns aos outros no Twitter. Esse texto aqui é uma tentativa frustrada de dizer o contrário fazendo do mesmo, como tudo o que eu sempre fiz; mas eu tenho um ou outro trunfo para diminuir os efeitos do enxame digital, e gostaria de compartilhar com vocês.

Deixe o celular de lado sempre que precisar. Para isso vale a pena investir em fones sem fio para não ficar sem ouvir música e podcast — a força do celular está em manter suas mãos ocupadas ao mesmo tempo que te hipnotiza com luzes e cores e “likes”. Tenho usado aplicativos de gerenciamento de tempo como o pomodoro e o forest, mas que no final das contas são meramente cronômetros invocados. A ideia aqui é que para focar naquilo que importa o melhor é não ser radical mas criar intervalos regulares para ver coisas como redes sociais e vídeos engraçados; tenho notado que sem meu constante engajamento as redes sociais são completamente quietas.

Desenvolva o hábito da leitura comprida. Sim, falo de livros, mas também de artigos de mais de mil e duzentas palavras (também conhecidos como quatro páginas). Não apenas porque isso pede um foco maior de sua parte, te afastando temporariamente das futilidades como xingar o deputado no twitter, mas também porque você não vai focar na leitura inteira. Terá de, eventualmente sair para outros afazeres e quando voltar à leitura daquele livro ou daquele artigo, terá de criar toda uma constelação neuronal que é incompatível com as leituras inconsequentes da internet — sim memes, falo de vocês. Sua memória vai te agradecer por isso.

Finalmente, guarde as coisas para você. Nem tudo precisa ser jogado naquele grupo, nem tudo precisa virar tuíte lacrador ou stories; internet é ápice da ilusão, você acha que realmente as pessoas vivem como aquelas modelos do instagram? Existe muito trabalho por trás, muita produção e paixão investidas; nada bem feito foi feito com um impulso entre uma torrada no café da manhã e a corrida atrás do ônibus; como que uma cultura de multitasking vai criar algo que não seja perecível e imediatamente esquecível? Eu criei um grupo de só uma pessoa, eu, no WhatsApp (desculpa Amor por ter te tirado, não achei outro modo) e uso ele como repositório de mensagens, memes, fotos e coisas que eu queria compartilhar no impulso. É meu bloco de notas disfarçado de aplicativo de mensagens, e tem funcionado para refrear esse impulso de querer floodar as redes.

Você tem direito a paz mental. Você tem direito a tranquilidade. Nada disso — internet, opinião, padrões de beleza — é permanente, nada disso é concreto, mas apenas processos com fins ainda desconhecidos. Observe a si mesmo e lembra da energia que você põe nas coisas: é isso que você quer produzir? São estes os mares que você quer navegar? Se a resposta for não, então não aja. Somos produtos tanto daquilo que fazemos como daquilo que escolhemos não fazer.

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