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Eu disse estes dias uma certa bravata que tanto mais me surpreendeu quanto me foi inédito. Em referência ao assunto dos noticiários eu disse “se o Brasil invadir a Venezuela eu renuncio à minha cidadania brasileira”. Isso foi algo mais do que outras bravatas que eu disse como “vamos entrar na academia quando houver dinheiro”, ou “nunca terei um carro nem se me for dado de graça”, e tantas outras porque foi de uma maneira séria, tão seria quanto pode ser uma questão que temos quando somos crianças.

A guerra não é nobre. A guerra não é racional. A guerra é inferno, e nada na história aponta o contrário. Como diz John Keegan na introdução de Uma História da Guerra, temos muitas chances de resolver uma coisa, por política e por diplomacia, mas a guerra não é uma delas. Nem mesmo uma forma disfarçada. É na guerra que nossa fé (ou a falta dela) é testada.

Se chegasse a haver guerra não seria questão de estar dentro ou fora, como eu pensava, mas de assumir um posicionamento, segundo Keegan — seja de portador legal de armas, seja de pacifista. Eu assumo meu pacifismo como resposta a essa questão, tão importante para mim. Iria para um front apenas prestar socorro, e sem armas. Aproveito e deixo registrado.

Recentemente foi publicado a fala do ministro da educação, filósofo e autor de mais de 30 livros, dizendo que “O Brasileiro no exterior é um canibal”. Que não tem educação nem cidadania; que se apossa do que é dos outros que não tem respeito. Isso em si não me diz respeito — existem rótulos e rótulos. Quem rotula os rotuladores, senhor ministro? Mas aproveitando a deixa, gostaria de escrever sobre o Brasileiro no exterior a partir da minha própria experiência. Até mesmo porque é no exterior que importa, que é dos países fronteiriços.

Em termos econômicos a América do Sul que fala espanhol e o Brasil, são quase idênticos, com exceção, onde saímos perdendo, da taxa de homicídio. Fonte usuário do reddit chamado rdfporcazzo

Tive duas experiências pessoais com brasileiros no exterior, já há mais de dez anos, uma boa e uma ruim. Começo pela ruim porque, afinal, sou um pouco antipático. Uma vez eu estive em um ônibus com brasileiros a caminho de Cuzco, no Peru. Não foi agradável, talvez porque eu estava preocupado, então minhas impressões foram tingidas por julgamentos pesados. Mas pude observar que eles estavam fechados no grupo deles; usavam iPods de verdade, na maior ostentação, e se destoavam de todo ambiente em que estivessem— eram turistas, em suma.

Eu não gosto deste tipo de turista. Isto, para mim, é pilhagem da alegria do povo e da harmonia dos lugares. É, sim, um canibalismo porque coloca um muro invisível entre eu e o outro, porque categoriza o mundo como zoológico e fica a analisar se gosta ou não gosta daquilo, com o intuito de se aproveitar. Não se aproxima, não se converte e definitivamente não se perde. É uma experiência mediada pela câmera do celular e os filtros do instagram. É fútil quando não desrespeitoso.

Para fazer minha viagem à Argentina no fim de 2017, eu fiz um mergulho na história argentina. Assisti documentários e li livros. Fiz plano conjunto com um amigo e minha então futura esposa que, se não puderam ir, em muito contribuíram para a realização da viagem. Estudei um pouco de espanhol e ouvi muita música argentina; fiz um roteiro e estudei a geografia. Quando estava lá sabia o que queria ver mas não estipulara a maneira de fazê-lo. Pode não ter sido uma ampla nem profunda pesquisa, mas foi feita com amor. Discuti os resultados em outro texto aqui.

Também nessa viagem ao Peru eu vinha já em completo improviso há uma semana. Estava visitando Santa Cruz de la Sierra com minha tia e meus primos pela primeira vez, mas eu já ansiava conhecer Machu Picchu desde que atravessara a fronteira. Então em certo dia eu disse que iria ali no Peru e já voltava. Quando fui comprar a passagem para La Paz eu soube que houvera um derrumbe, ou seja, um deslizamento, e que não haviam ônibus.

Comprei um mapa no terminal e vi que havia outra rota, pelo norte. Peguei um ônibus para lá na mesma noite e no dia seguinte estava seguindo uma rota que eu nunca soubera nem mesmo existir. Muitos percalços, e uma solidão extrema em alguns momentos, mas foi na subida pelos Andes, em um ônibus boliviano, que conheci outros três brasileiros e, esses sim, me conquistaram. Segue um trecho do meu relato de viagem no meu blog antigo:

Foi neste ônibus que conheci Eduardo, Irene & Paula, cariocas que mataram um pouco minha saudade do português, e mais que isso, me deram um puta orgulho de ser brasileiro. Elas faziam geografia na UFRJ, e Eduardo, era de Niterói, se entendi bem; vinham de Porto Velho, do encontro de geografia rolado lá, e na louca resolveram de improviso descer pela Bolívia (de Porto Velho se entra pelo norte da Bolívia, o que explica eles estarem naquela rota). Tive sorte de tê-los encontrado, e apesar de breve, foi muito bom partilhar as experiências de mochileiros na Bolívia. Eles iam para o lago Titicaca. Me pergunto se tudo deu certo. Nos despedimos (obrigado pelo presente, Eduardo!) em Caranavi.

Eles vestiam calças bolivianas e usavam aqueles chapéus andinos que protegem as orelhas que eu mesmo ia adotar por tantos anos. Riam muito e cantavam. Eu não saberia dizer se eles falavam espanhol fluente, ou se tinham estudado tudo sobre a Bolívia, mas não tive dúvidas de que eles estavam aproveitando a viagem (que não é nada fácil, diga-se de passagem. Muitas horas dentro de um ônibus desconfortável em estradas suspeitas subindo sem parar, dando voltas e voltas, tantas que não parecem ter fim).

As montanhas dos Andes, enquanto eu as subia, admirado com sua sabedoria ancestral, me fizeram pensar que eu poderia viver ali também, e descansar meu espírito ali, silenciosamente, até a velhice. Eu também não sabia sobre geografia o que eu sei hoje, o que talvez explica por que me afeiçoei com eles imediatamente enquanto não gostei dos outros, que conheci depois de sair da Bolívia.

O presente que o Eduardo de Niterói me deu era um baseado, que nunca cheguei a fumar.

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