W4LKER

Photo by Curtis MacNewton on Unsplash

Em estudos de cultura aprendemos muito rápido que o Tempo é Relativo. Redescobrir um artista esquecido; reencontrar um show ou uma série que havíamos esquecido ainda no fim da infância. Reler um livro e descobrir que lêramos um livro completamente novo — e que definitivamente são os livro relidos que nos definem como leitores mais do que qualquer outra coisa. Cultura, afinal, é o tempo tornado palpável. Em todos estes casos abrimos um buraco de minhoca no tempo e o atravessamos.

Nada se cria, tudo se copia. E no processo algo novo realmente surge. O pós-modernismo já demonstrou isso muito bem quando nos apontou o papel criador do leitor e as muitas camadas de interpretação que uma mera proposição pode possuir. Como diz Michiko em “A morte da verdade”:

A desconstrução [como fundada por Derrida] postulou que todos os textos são instáveis e irredutivelmente complexos, e que os significados, eternamente variáveis, são imputados pelos leitores e observadores. Ao se concentrar nas possíveis contradições e ambiguidades de um texto (…), promulgou um relativismo extremo que foi, em última análise, niilista em suas implicações: qualquer coisa poderia significar qualquer coisa; a intenção do autor não importava e não podia ser discernida objetivamente; não havia uma leitura óbvia ou de senso comum, já que tudo tinha uma infinidade de significados. Em suma, não existia uma verdade.

Kakutani, Michiko. A morte da verdade: Notas sobre a mentira na era Trump . Intrínseca. Edição do Kindle.

E é neste imbróglio filosófico que a ultra direita, alt-right e extrema-direita brasileira se aventuraram na desconstrução política e recriação de um novo estado-de-coisas. Um movimento inédito de redescoberta da filosofia começa a dar as caras e, embora não seja confortável aceitar seus objetivos, é preciso entender que toda busca pela verdade é em si salutar. Não é uma questão de vença o melhor, mais uma coisa do tipo, “hmm, interessante, mas e depois?”. Quis a sociedade dar uma guinada para uma determinada direção, mas nos trâmites do processo podemos ver que na busca pela ordem, na luta pela hierarquia e na busca pela eficiência a própria semente da desordem está oculta.

A verdade como lhe parece, segundo seu desejo, é o que se convencionou chamar de pós-verdade, ou factóide, usado tão habilmente por políticos o tempo todo. E se as “fake news” não são novidades, com certeza a velocidade com que se espalham são. O conservadorismo religioso também abraçou a guerra cultural e tivemos que conviver com uma campanha presidencial baseada em mentiras absurdas como mamadeira de piroca. Mais ainda, vemos uma destruição sistemática do que se convencionara cultura do Brasil até então. Uma terrível confusão se instalou no momento em que o primeiro governo de direita em 14 anos assumiu. E não parece que vai se arrumar tão cedo.

Quem assistiu Bacurau ou Parasite sabe do que estou falando. O projeto neoliberal nunca esteve tão perto desde o governo FHC. O fascismo e o capitalismo nunca foram tão próximos e somos nós quem o alimentamos. O sentimento é de completa falência do que é remotamente humano. Como diz Harari em Sapiens, o mundo só pode ser gerido por capitalistas — e para capitalistas. Ouvindo o último episódio do Viracasacas Podcast ontem, eu consegui vislumbrar a racionalização que tomou conta de nossa sociedade: o governo governa para ricos e para os pobres é uberização e religião.

Aliás, só podemos falar de resistência se não estivermos resistindo. A Ressonância, que na teoria da comunicação preconiza que se uma coisa não for polêmica o suficiente ninguém dará bola, entra aqui. Mais ainda: se uma coisa for muito ressonante — isto é, algo que todo mundo concorda, não se falará dela em momento algum. “Ressonância é a capacidade que uma mensagem tem de gerar debate a respeito de si mesma (…). Se encontramos um estranho no ponto de ônibus e nos sentimos dispostos a puxar papo sobre um determinado tema, é porque o tema tem ressonância” (Brasil, Meteoro. “Tudo o que você precisou desaprender para virar um idiota”. Ed. Planeta). Para alguém como eu estar escrevendo artigos contra o capitalismo deve ser por que de alguma forma uma parte minha já foi consumida pelo mesmo movimento que eu critico.

Quando uma coisa é “onipresente”, no sentido de que não suscita crítica, ela deixa de ser encontrada. A direita brasileira, com seus filósofos fajutos sabe disso, e se aproveita de uma miríade de teorias conspiratórias para esconder o fato ululante de que é preciso diminuir, se não der para parar, o ritmo frenético de destruição que o capitalismo está fazendo em tantos níveis diferentes. Usar a filosofia para esconder a verdade é uma novidade surpreendente: quem suspeitaria de procurar ali? Mais importante de se perguntar ainda: vale a pena destruir ela por dinheiro? Pois é essa só mais uma das consequências, junto com a destruição da ciência e de todo tipo de intelectualismo.

Nisso tanto as neopentecostais quando alguns representantes da igreja católica estão de acordo — por trás de uma defesa de valores cristãos se esconde uma guerrilha contra tudo que é diferente. Os neofascistas como Fauzi descobriram isso rápido e já começam a dar sinais de suas intenções. Se hoje atacam uma produtora de vídeos e terreiros de candomblé o que podemos esperar amanhã? Nem todos os cristãos são fascistas mas aqueles que o são são os que mais assustam. “Para alcançar a ressonância, é necessário estar naquele ponto central da régua imaginária da legitimidade. Em síntese, é preciso ser polarizador” (Idem).

E eu me incluo nessa crítica. Eu ainda sou um consumidor, no sentido mais niilista do termo. Preso a circuitos de desejo e satisfação inalcançável, eu tenho estado comprando coisas somente por comprar e criando desculpas para acumular coisas que nem preciso. Consumindo para suprir ausências que nenhum tipo de coisa pode suprir — e perdendo mais coisas insubstituíveis no processo.

Só nos últimos seis meses comprei 111 livros. Isso se soma a outros 350 que tenho na biblioteca e que devo passar o resto da vida lendo se quiser transformar o gasto em investimento — e isso é quase impossível porque se por um lado eu amo ler, por outro eu tenho uma compulsão inerente de começar coisas novas e largar outras — e muita coisas não devem ser levada à cabo apenas pela obrigação de fazê-las — incluindo livros ruins. E estou apenas exemplificando.

Também, eu estou sem falar com meu pai desde junho do ano passado após uma discussão que nem me lembro o que disse porque estava muito bêbado — é como se eu o houvesse perdido de vez. Isso somado à perda de meu pai de genes há quase dois anos torna a coisa toda insuportável. Minha situação financeira nunca foi melhor do que agora e ainda assim eu me sinto como um sanguessuga — não nasci para ser aristocrata por mais que eu tente fingir que sim. Discuti semana passada com meus amigos por causa de “falta de respeito” quando a insolência é o que eu mais admiro neles. Busco essência em tudo o que faço mas isso acaba sempre em becos sem saídas e procrastinação universal. E sozinho. Não porque não há ninguém por perto, mas porque não consigo encontrar ninguém por mais próximo que esteja.

Se a Resistência vai de alguma maneira me salvar — e não é isso que eu espero mas é isso que tenho no momento, e não estou certo de que isso se aplique a todos embora eu ache que sim, senão porque estaria escrevendo aqui?— deve ser naquilo que me julgo mais independente — nunca perdemos tudo quando ainda temos esperança. Buscando melhores relacionamentos com as pessoas que eu gosto e mais consciência de classe e meu lugar no mundo pode ser a única maneira de sair deste cenário onde estou em todos os lugares e por isso mesmo não me encontro em lugar nenhum.

Data de publicação: