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PARA MEU AVÔ IVO DE BARROS

A vida em Terra Nova se resume às manhãs. É de manhã que os pais levam seus filhos à creche. É de manhã que quem falta à aula pode ver desenhos na televisão. Quem tem que ir trabalhar, também, o faz logo cedo. Quem cuida da casa, o faz alternando com as conversas com o vizinho por cima dos muros. Em uma terra pré internet, as fofocas das donas de casa eram mais instantâneas que qualquer programa de celular. Quem mora nas agrovilas, as vilas de sitiantes no território não-urbano, precisam levantar cedo para afazeres rurais. Na frente do único mercado, que fechou as portas a dois meses atrás, era onde ficava a maioria deles quando vinha à cidade. Essa “cidade” só tem esse epíteto como uma forma de consideração, pois suas dimensões estão mais para povoado. Ela já foi grande, dizem: teve quase cinquenta mil habitantes, hoje conta com pouco mais de nove mil. Se Gabriel Garcia Marquez houvesse andado por estas bandas com certeza teria feito uma Macondo mais fantástica em sua remotidade em seu romance Cem Anos de Solidão. Terra nova do Norte foi uma das cidades encomendadas a migrantes gaúchos e sulistas que o governo incentivou a explorar no norte no fim dos anos 70. Foi lá também que houve uma modesta febre do ouro que fez incharem as cidades de Peixoto de Azevedo, Guarantã do Norte, Matupá e Terra Nova do Norte nos 80. Mas como tudo que cresce muito rápido também se esvazia muito rápido, muitas vezes mais do que as pessoas conseguem entender ou suportar, assim foi com a região, que no processo de esvaziamento deixou apenas os sulistas que lá já estavam assentados antes da corrida do ouro, bêbados torpes demais para achar o rumo de casa ou que gastaram tudo que tinham e se viram obrigados a ficar. Destas cidades Terra Nova do Norte foi a que menos soube aproveitar de sua súbita riqueza. Poucas construções ou investimentos a longo prazo, apenas uma igreja grande e pomposa no topo da subida principal da cidade, um lembrete repetitivo da moralidade reinante. Ainda assim nessa cidade as últimas três ou quatro gerações se sucedem com maior ou menor sucesso. A última eleição elegeu para prefeito um empresário e professor, abandonando à própria sorte os políticos profissionais que assolavam a cidade já há mais de dez anos. Até mesmo alguns investimentos foram feitos, na área da educação principalmente, e a internet chegou, aos poucos, cambaleante, centralizando a comunicação geral (mas a fofoca definitivamente é o meio mais confiável de se saber das novidades). Os jovens já aceitam que sair é possível, mas que a luta para não voltar é real. Ainda assim, parece que a cada ano essa cidade está mais vazia. Mais tranquila, brilhando no sol amazônico, com o ocasional aviso de alguém que morreu através do serviço de anuncio do carro de sol, uma tradição única a mais de trinta anos.

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