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Vesemir e Geralt — Arte de Maxim Bazhenov

Dizem que a natureza não suporta o vácuo. Aquilo que jaz no chão, que jorra com sangue, que foi derrubado por sua espada, já não é o Mal.

A Torre da Andorinha (Andrzej Sapkowski)

Cheguei ao final dos livros da saga do bruxo Geralt de Rívia. Neste arco, que começa com o livro de contos Último Desejo mas que de fato só engata no terceiro livro, Sangue dos Elfos, entro na reta final da grande aventura imaginada por Sapkowski e que daria início à premiada franquia de jogos The Witcher anos mais tarde.

Essa franquia, que conheci em dezembro de 2018 e que me cativou por ser em parte uma redescoberta dos games mas também por ser tão bem feita — e porque foi a minha companhia no auge do luto em que eu não sentia vontade de sair de casa. Logo acabei descobrindo também os livros, os quais comecei um mês depois ter começado a jogar. Acabei descobrindo várias comunidades de fãs dos livros e do jogo muito forte no facebook e no reddit, e que só se fortaleceu com o lançamento da serie da netflix.

O universo criado por Sapkowski é de uma riqueza única, ainda que seja apenas por sugestão que a maioria de suas criações apareçam. Não por omissão, seus livros vêm sem mapas, por exemplo (a edição brasileira mais recente possui mapas, mas acredito que seja uma escolha da editora), porque ele nunca tentou prender sua descrição a algo palpável ou mapeável no melhor estilo Tolkien — autor do qual li apenas o Hobbit até o momento.

Alguém pode dizer que existe um mapa oficial que é o da versão Chéquia, feita por Stanislav komárek, mas isso é apenas a evolução da obra — e portanto é anacrônico. Fato é que a imaginação de Sapkowsky é de tirar o fôlego — motivo pelo qual sempre recomendo a leitura a todos os órfãos de Game of Thrones, fãs de mitologia nórdica, que gostem de best seller e leituras rápidas porém envolventes; o tema no entanto não tem nada de leve.

O desfecho da história que comecei a ler há um ano e meio é o ápice dos encontros entre os reinos do norte e Nilfgaard, que vem conquistando território após território na segunda grande guerra travada naquele mundo. Também é o momento decisivo para a feiticeira Yeneffer, prisioneira de um temível e poderoso feiticeiro elfo, Vilgefortz, este que é um grande empecilho também na vida do bruxo Geralt. Ciri, agora de posse de um novo e imenso poder sobre o espaço-tempo, vai ter que decidir se sucumbe ou não ao seu destino de modo a salvar aqueles que ama.

Mal posso esperar. Se acabar um livro me enche de alegria imagine acabar uma saga inteira. E se pode parecer escapismo, talvez seja: não sou o cara que vai inventar a vacina do Covid. Não serei o próximo Shakespeare e tampouco vou sair desta pandemia com uma nova ideia que vai salvar o mundo e reduzir as emissões de carbono. E tudo bem. Até porque no meu escapismo eu ainda encontro um pouco de realismo e nesta mesma intersecção eu habito quando venho aqui falar das minhas obsessões.

Zdzisław Beksiński — mas poderia ser o Bolsonaro à cavalo: “Brasil acima de todos. Deus acima de tudo”

Para quem não sabe, Sapkowsky tem formação em economia pela Universidade de Łódź, e lendo seus livros, até se aprende algo sobre macroeconomia. O segundo livro, por exemplo, tem um conto divertidíssimo chamado “Fogo Eterno”, que basicamente fala do funcionamento do capitalismo do início ao fim. Dentro do contexto maior, a situação de Kovir, como país rico mas preso entre países beligerantes, é digna de atenção. Sapkowsky a oferece com riqueza de detalhes e viciantes histórias de intrigas palacianas.

“A natureza tem horror ao vácuo”. A frase que abre a citação do texto é uma teoria que remonta de Aristóteles a Pascal, matemático e filósofo, e que fez um famoso experimento onde demonstrou o contrário — que o vácuo poderia ser parte da natureza, por mais inimaginável que isso parecesse na época. Para Pascal a imaginação humana sempre fora parte integrante da equação das decisões, e precisava ser levada em conta todas as vezes em que tentávamos entender a natureza destas mesmas decisões.

“dumbest people alive”, sim, isso me resume com certeza

“Decisões são boas ou más a depender dos resultados”, pelo menos é isso o que a intuição diz; tal argumento parte de um ponto de vista onde o tempo é visto linearmente, coisa que só existe na imaginação. Imaginação é o termo chave aqui: ela pode ser muito útil para pintores macabros ou autores de fantasia, mas pode acabar criando sérias dificuldades quando confrontada com a realidade.

Desse mesmo modo criaram-se as instituições, por exemplo, as sociedades anônimas, os governos e as ideologias. Para David Hume, tudo o que podia ser imaginado era possível — e isso na minha opinião aponta mais uma limitação do entendimento humano do que uma liberdade. Afinal, se tudo que acreditamos ser real pode ter sido em algum momento apenas imaginação, como podemos saber a diferença entre o que é real e o que queremos que seja?

Talvez por isso dizem os autores pós modernos que nada é original. Recentemente uma pessoa ganhou notoriedade por liderar meia dúzia de reacionários acampados em Brasília e por ameaçar um ministro da suprema corte nas redes, mas acontece que ela estava apenas citando Tyler Durden do filme Clube da Luta. Eu adorava esse filme quando tinha 15 anos, e deduzo a partir daí que deve ser essa a idade mental da extrema direita brasileira em 2020.

Quando se discute Fascismo no século XXI muito fica a se dever aos estudiosos que realmente se dedicaram ao fenômeno do Fascismo no século XX. Cito Umbert Eco: “Cada vez que um político põe em dúvida a legitimidade do Parlamento por não representar mais a “voz do povo”, pode-se sentir o cheiro de Ur-Fascismo”. (Eco, Umberto. O fascismo eterno. Ed. Record). O fascismo eterno aqui é o mesmo fascismo, encarado de um ponto de vista atemporal porque é aquele que acompanha a democracia e que, se pode ser minimizado em regimes saudáveis, jamais poderá ser completamente eliminado. Toda revolução gerando um regime mais opressor que aquele que foi derrubado.

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