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Um ano sem o Vitor — Duas Cartas

Em mais um ano que me deste de vida, Meus Deus, que poderia eu mais te pedir se já me destes tanto sem que eu pedisse?

Me destes filhos maravilhosos;

Irmãos que amo e Pais que amei e honrei como manda a Tua Palavra até o dia em que os levastes para viver em sua Companhia;

Um vasto quintal onde planto meus sonhos e minhas amizades;

Um coração sincero para confortar e se alegrar com os amigos;

Saúde para viver com dignidade.

Mas, como é para o Pai que o filho deve pedir, então permita-me pedir mais duas coisas:

Por mais que dura seja a lida, nunca permita que os meus lábios o maldigam e jamais me coloque um fardo às costas que para carregá-lo eu me distancie dos seus caminhos…

Vitor Paniagua

Hoje faz um ano que o Vitor morreu

por Walker Dantas

Hoje faz um ano que o Vitor morreu. Ficaram as perguntas. Dúvidas como: Até onde ele era meu pai?; Quanto dele há em mim?; Aonde levaria o nosso futuro juntos?; Qual seria sua influência na minha carreira após a faculdade? e Vamos fazer aquela viagem de carro juntos? Questões que ficarão para sempre. Ainda assim, celebro hoje a lembrança de um homem muito encantador e carinhoso, cheio de amigos e histórias.

Vitor morreu no dia 5 de fevereiro 2018 de parada cardíaca segundo alguns noticiários. Até hoje os reais motivos de sua morte prematura, aos 55, são um mistério. Embora a explicação que me foi dada seja a de um acidente doméstico — segundo o próprio Vitor ao dar entrada no hospital — ainda reluto nessa questão; quando morreu um amigo aos 18, supostamente asfixiado por acidente sozinho em seu quarto — disseram que a causa eram a cola, na sacola, que o fez desmaiar, disseram que era a tristeza, mas a verdade nunca veio à luz. No caso do Vitor me disseram que ele estava doente, outros que estava bêbado. Que poderia ter sido até uma briga uma semana antes. Mas não há nenhuma certeza.

Eventualmente todos vamos morrer. Isso é um fato. Sem querer se demorar demais em uma platitude, a mim o que importa é como viver. E nisso reside a especialidade deste tema, pois quem aprender a morrer aprenderá também a viver. Também, no decurso natural das coisas, todos morreremos como vivermos. Talvez por isso eu sempre tenha tido ojeriza à guerra, porque esta festa da morte não é natural, trazendo à uma morte não-natural aqueles que nunca estariam no conflito em outras ocasiões. Temos todos também, guardadas as devidas dimensões, nossas próprias tragédias. Não há nada que temer, no entanto: quando a morte aí está nós já não estamos.

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E talvez seja isso que estas duas tragédias tenham em comum, e que a mim tenham ensinado: não precisamos ficar tão fixados no como ou o porquê alguém morreu, mas simplesmente que a morte acontece e que temos de lidar com isso. O mistério não está nas causas de porque alguém desaparece como se nunca houvesse existido, mas que esse alguém tenha surgido. Afinal, este é o verdadeiro milagre: que pessoas tão peculiares, completas e especiais como o Vitor ou o Léu, contra todas as possibilidades, tenham acontecido.

Sim, pois o universo é realmente vasto, e porquê de todas as épocas e em todas os possíveis cenários e as incontáveis configurações possíveis, eles apareceram. Agiram e interagiram, criando ou tornando possível algo muito semelhante ao que hoje somos; partiram sem saber que eram parte do que nos tornamos e, portanto, não partiram de todo.

Por isso o significado de cada nascer do sol não é o nascimento, nem o fim é o fim em si mesmo. Nada se perde, e cada conexão verdadeira que fazemos — as que nascem das chamas da dor e da fragilidade, em especial, cada uma delas está destinada a ecoar no universo por toda a eternidade.

Este ano é o primeiro do resto de nossas vidas. O exemplo do Vitor, ainda ressoa em mim. Sinto-o como o sangue que pulsa nas veias. Não estamos todos a caminho do fim mais do que distantes do nada. Nos transformando. Crescendo. Mudando. A beleza maior está nisso, em estarmos um pouco diferente a cada dia, honrando a vida que nos é dada. O Vitor honrou a sua.


É curioso lembrar do tempo em que eu passei com o Vitor

por Leonardo Colombo Paniagua

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Vitor e Leonardo

É curioso lembrar do tempo em que eu passei com o Vitor. Curioso porque tínhamos rotinas completamente diferentes. Eu acordava, ele dormia. Ele dormia, eu acordava. Nos víamos apenas alguns dias da semana, quando estava com preguiça de ficar na casa de minha mãe e não queria ser incomodado. Se parar para pensar, eu usava a casa dele mais como um refúgio do que qualquer outra coisa.

O único momento em que interagíamos era no final da tarde pois até mesmo para almoçar tínhamos horários diferentes. Nestes momentos que eu escutava sobre o dia-a-dia dele e sobre algumas histórias de família. Eu gostava que as coisas fossem deste jeito. Era simples. Nos víamos, conversávamos e voltávamos para a nossa rotina.

Haviam eventos extraordinários, claro. Finais de semana que saímos juntos. Noites em que eu e uma Madrasta (tive muitas com gostos diferentes sobre jantares e sobre mim) íamos sair à noite. Coisas bimensais, talvez trimensais e que terão um lugar muito bom em minha memória.

Voltando atrás, eu até poderia dizer que me arrependo de não ter convivido mais com este homem que admirava tanto. Mas, não, não posso. Era assim que eu gostava. Era assim que ele gostava, também. Vivíamos juntos, porém afastados e era satisfatório para ambos. Não tínhamos muitos momentos familiares, mas é isto que deixa os escassos, tão especiais.

Aprendi muita coisa com o Vitor. Queria poder compartilhar esse conhecimento, mas temo que eu seja ainda incapaz de tal. Não consegui resolver sentimentos bobos, como posso ousar passar as palavras dele para a frente ainda? Não. Tenho que viver e testar algumas dessas histórias de vida por mim mesmo.

Posso pelo menos dizer isto: Vitor Paniagua gostava de escrever estes tipos de textos. Sem pretensão, apenas para divagar as ideias. E depois, os deletava sem salvar pois já tinha feito o suficiente. Ele também gostava de corrigir erros ortográficos em textos. Principalmente os que eu produzia. Não o faz mais, mas tudo bem.

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